ASSÉDIO MORAL - INAÇÃO COMPULSÓRIA - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF38464 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 00229-2015-099-03-00-5-RO

 

Recorrente: Karla Cristina Brandão Pardim Ferreira

Recorrido: MGS - Minas Gerais Administração e Serviços S/A

 

E M E N T A

 

                ASSÉDIO MORAL - INAÇÃO COMPULSÓRIA - Enquadra-se na definição de assédio moral o denominado “contrato de inação”, caracterizado pela situação em que o empregador nega ao empregado o direito de trabalhar, afastando-o do cumprimento de suas tarefas habituais e mantendo-o ocioso durante a jornada de trabalho. A inatividade forçada, além de desestimular o trabalhador, coloca-o em situação vexatória diante do grupo, ofendendo-lhe a dignidade. O contrato de emprego tem caráter sinalagmático e, ao deixar de fornecer trabalho ao empregado, o empregador descumpre relevante obrigação contratual, pois é certo que, além de servir ao sustento material do obreiro, o exercício de seu ofício integra a identidade do trabalhador como ser social.

 

R E L A T Ó R I O

 

                O d. Juízo da 2.ª Vara do Trabalho de Governador Valadares julgou parcialmente procedentes os pedidos da reclamante (f. 110/111).

                A reclamante interpõe recurso ordinário (f. 113/120), insistindo nos pedidos de reconhecimento da rescisão indireta e de pagamento da indenização por danos morais.

                Contrarrazões (f. 123/125).

                Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho para emissão de parecer, ante a ausência de interesse público na solução da controvérsia (artigo 81 do Regimento Interno deste TRT).

                É o relatório.

 

                ADMISSIBILIDADE

                O recurso é próprio e tempestivo. A representação também é regular, conforme instrumento de mandato (Id 95ddbd6, 21.01.2016). O recorrente está dispensado de efetuar o preparo, por ser beneficiário da justiça gratuita.

                Conheço do recurso, porquanto satisfeitos os pressupostos de admissibilidade.

 

                MÉRITO

                RESCISÃO INDIRETA - DANOS MORAIS

                A reclamante afirma que, admitida em 14/07/2008, mediante concurso público regular, trabalhou normalmente até julho de 2014, a partir de quando foi mantida em condição de ociosidade forçada, fato com base no qual pede o reconhecimento da rescisão indireta e o pagamento de indenização por danos morais.

                Ao exame.

                Ajuizada a ação em 27.02.2015, a reclamante alegou, na petição inicial, que (f. 02v/03):

 

                Desde julho/2014 foi a reclamante colocada em disponibilidade forçada, sem qualquer atividade laboral, com sua senha de trabalho bloqueada, embora recebesse salários até outubro/2014.

                Esclarece a reclamante que, em 16.06.2014, foi elaborado um comunicado à reclamante, a esta entregue no dia 10.07.2014, para que se apresentasse na unidade do IEF (Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais), na Rua Barão do Rio Branco, nº 337, Centro, nesta cidade, onde deveria, a partir de então, prestar seus serviços, os quais eram prestados, até aquela data, na Rua Vinte e Oito, nº 100, Ilha dos Araújos, também nesta cidade (Unidade Semad).

                Chegando ao IEF e se apresentando, foi informada de que não havia espaço para que prestasse trabalho ali, devendo retornar a sua residência e aguardar novas orientações da empregadora.

                Em contato com o departamento pessoal de sua empregadora, em Belo Horizonte, relatando o acontecido no IEF, foi orientada a cumprir a determinação do IEF até nova orientação da MGS.

                Em dezembro/2014 foi a reclamante notificada a comparecer na Rua Vinte e Oito, nº 100, Ilha dos Araújos, nesta cidade, na unidade Semad, para reassumir suas funções.

                Ali chegando, foi-lhe informado pelo supervisor do local que não havia nenhuma atividade para si, podendo 'bater o ponto' e retornar para sua casa, voltando somente de 8 em 8 dias para nova 'batida de ponto'.

 

                Em sua defesa (f. 42/47), a reclamada negou a ociosidade forçada e alegou que a reclamante teria abandonado o emprego em janeiro de 2015, o que caracteriza a justa causa obreira.

                A meu ver, tem razão a reclamante.

                Para a caracterização do abandono de emprego, cabe à empregadora a prova dos elementos objetivos e subjetivos específicos, quais sejam: a ausência reiterada e injustificada ao trabalho, conjugada com a deliberada intenção do empregado de não mais trabalhar.

                Com efeito, o abandono de emprego, por configurar a justa causa obreira, deve ser cabalmente demonstrado nos autos pela empregadora, mormente por se tratar de fato impeditivo do direito à percepção de verbas rescisórias e contrário ao princípio da continuidade da relação de emprego.

                No presente caso, a empregadora não provou a ocorrência de faltas consecutivas e injustificadas da obreira. Em que pese a obrigação atribuída pelo artigo 74, parágrafo 2.º, da CLT, a reclamada não trouxe aos autos os competes controles de frequência da reclamante.

                Vê-se que, em telegrama postado no dia 24.02.2015 e recebido na residência da autora em 25.02.2015 (f. 59/60), a empregadora exigiu que a empregada comparecesse ao emprego e justificasse as faltas ocorridas desde 01.12.2014. No entanto, tíquetes de registro de ponto apresentados pela reclamante (f. 26/30) provam a presença da obreira em diversos dias dos meses de dezembro de 2014 e janeiro de 2015.

                É o quanto basta para afastar a veracidade do fato alegado como fundamento do processo administrativo que culminou na dispensa por justa causa da reclamante (f. 53).

                Observe-se que, em audiência (f. 108/109), a testemunha Railda Santos Morais afirmou que a reclamante esteve afastada do emprego por 02 ou 03 meses.

                Diferentemente do que concluiu o d. juízo de origem, entendo que tal depoimento, entretanto, não constitui sequer indício de que o afastamento tenha ocorrido por vontade da autora.

                Aliás, como afirmou o preposto da ré, o afastamento da autora ocorreu segundo determinação da empregadora, para realocação perante outro tomador de serviços.

                E tal fato não está relacionado à justa causa obreira ora discutida, pois é certo que o abandono de emprego alegado pela defesa teria ocorrido após a realocação da empregada junto a outro tomador, conforme declarou o preposto.

                O depoimento de Railda Santos Morais serve, na verdade, à comprovação da condição de inação compulsória a que esteve sujeita a reclamante. Foi o que afirmou a testemunha (f. 108/109):

 

que, em 2015, a reclamada dispensou a maioria dos seus empregados que prestavam serviços no órgão, inclusive, a reclamante; que, cerca de 2/3 meses após a dispensa, a reclamante retornou às atividades na SUPRAM; que, quando do retorno, já havia outros funcionários concursados pela SEMAD, e a reclamante ficava no local, disponível, sem ter o que fazer, pois não tinha computador para trabalhar; que a depoente já chegou a entregar documentos para a reclamante protocolar e ela dizer que não tinha como receber, pois não tinha computador e nem senha; que a reclamante ficava à disposição, tirava dúvidas, pegava papel, mas não tinha acesso a nenhum dado ou senha do trabalho; que a reclamante, inclusive, tinha feito protocolos para a depoente antes da sua realocação e, como de praxe, costuma-se indagar ao responsável pelo protocolo o encaminhamento da solicitação, e a reclamante falava que não poderia fazer nada, pois ela estava sem maquinário e lotação após a sua realocação.

 

                O assédio moral no ambiente de trabalho pode ser definido como a repetição sistemática e frequente de condutas abusivas praticadas pelo empregador ou por colega de trabalho, agredindo psicologicamente o empregado e provocando-lhe constrangimentos e humilhações, tudo com o fim de desestabilizá-lo em seu aspecto emocional e excluí-lo de sua posição no emprego.

                Diz-se moralmente assediado o trabalhador que, por receber tratamento negativamente diferenciado na organização do trabalho ao longo de determinado período, é ofendido em sua imagem e autoestima, sentindo-se hostilizado, ridicularizado, inferiorizado e desacreditado diante dos pares. Sobre o tema, é exaustiva a definição oferecida por Elaine Noronha Nassif:

 

Caracteriza-se por uma série de atos, ações e comportamentos, diversificados e repetidos no tempo, de modo sistemático e habitual, tendo conotação agressiva, denigrinte e vexatória, de modo tal que leve a uma degradação das condições de trabalho, que por sua vez pode comprometer a saúde, a profissionalidade ou a dignidade do trabalhador no âmbito de sua repartição, ou de modo tal que possa levar à exclusão dele, daquele determinado contexto laborativo.

                Nessa definição, enquadra-se o denominado “contrato de inação”, caracterizado pela situação em que o empregador nega ao empregado o direito de trabalhar, afastando-o do cumprimento de suas tarefas habituais e mantendo-o ocioso durante a jornada de trabalho. A inatividade forçada, além de desestimular o trabalhador, coloca-o em situação vexatória diante do grupo, ofendendo-lhe a dignidade.

                O contrato de emprego tem caráter sinalagmático e, ao deixar de fornecer trabalho ao empregado, o empregador descumpre relevante obrigação contratual, pois é certo que, além de servir ao sustento material do obreiro, o exercício de seu ofício integra a identidade do trabalhador como ser social. É o que vem reconhecendo a jurisprudência deste TRT:

 

                EMENTA: OCIOSIDADE FORÇADA. FALTA GRAVE PATRONAL. ART. 483, "D", DA CLT. RESCISÃO INDIRETA. As partes contratantes devem agir de acordo com os princípios da probidade e da boa-fé na celebração e na execução do contrato, nos termos do art. 422 do Código Civil. O empregado, ao ser contratado, tem plena ciência de que a principal obrigação que lhe cabe é a de prestar serviços observando o poder diretivo patronal. À empregadora, por sua vez, no exercício desse poder, cabe indicar as tarefas que devem ser executadas, com as respectivas condições. A recorrente, ao deixar de repassar à reclamante as instruções de serviço próprias do cargo por esta ocupado, cometeu ato ilícito, descumprindo obrigação contratual inerente à relação de emprego, cometendo assim a falta grave capitulada no art. 483, "d", da CLT e justificando a denúncia do contrato pela trabalhadora. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010171-49.2015.5.03.0012 (RO); Disponibilização: 10.05.2016; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Rogerio Valle Ferreira)

 

                EMENTA: ASSÉDIO MORAL. OCIOSIDADE FORÇADA. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. Comprovada nos autos a prática de assédio moral, por ter o empregador negado à obreira um posto de trabalho, forçando-a à ociosidade humilhante, é devido o pagamento da indenização respectiva. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0000078-19.2013.5.03.0102 RO; Data de Publicação: 19.02.2016; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Cristiana M. Valadares Fenelon; Revisor: Convocado Cleber Lucio de Almeida)

 

                EMENTA: RESCISÃO INDIRETA. ROBUSTA COMPROVAÇÃO DE GRAVE FALTA PATRONAL. RECONHECIMENTO. O reconhecimento da rescisão indireta demanda robusta comprovação de grave falta patronal, de acordo com as hipóteses arroladas no art. 483 da CLT, tornando insustentável a continuidade da prestação de serviços. Existente prova cabal dos graves fatos alegados na peça de ingresso, notadamente o pagamento a menor de salários e o estado de ociosidade forçada imposta ao reclamante, deve ser declarada a rescisão indireta do contrato de trabalho. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011871-45.2014.5.03.0093 (RO); Disponibilização: 02.02.2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 289; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Convocada Sabrina de Faria F.Leão)

 

                Face ao exposto, evidenciada está a violação aos artigos 1.º, incisos III e IV, e 5.º, inciso X, da CR/88, configurando-se a hipótese de responsabilidade civil da empregadora pelo dano moral infligido à reclamante, na forma dos artigos 187 e 927 do CC.

                Assim, condeno a ré a pagar à autora indenização no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sendo certo que, não tendo os danos morais valor definido, o quantum indenizatório deve ser estabelecido conforme o prudente arbítrio do Juízo. É preciso considerar a extensão do dano sofrido pela vítima, a intensidade da culpa do agente e a condição econômica das partes. Ademais, a condenação ainda tem caráter pedagógico, visando inibir a repetição de eventos semelhantes e convencendo o agente a não reiterar sua falta.

                Pelos mesmos fundamentos, reconheço a ocorrência da rescisão indireta do contrato de trabalho em 17.03.2015 (data da decisão do processo administrativo instaurado pela MGS contra a reclamante, f. 53), razão pela qual condeno a reclamada a pagar, além das verbas deferidas na sentença, as seguintes:

                a) salário dos meses de novembro de 2014 a março de 2015 (proporcional 17 dias nesse último mês);

                b) aviso prévio indenizado de 48 dias;

                c) férias integrais 2014/2015 + terço constitucional, considerada a projeção do aviso prévio;

                d) 13.º salário proporcional de 2015, considerada a projeção do aviso prévio;

                e) FGTS + 40%, garantida a integralidade dos depósitos.

                Outrossim, deverá a reclamada registrar a baixa na CTPS da reclamante, considerando projeção do aviso prévio, bem como fornecer à autora as guias TRCT e CD/SD, no prazo a ser designado para tanto, sob pena de multa diária de R$ 100,00.

                Dou parcial provimento.

 

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

                O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por sua Sétima Turma, em sessão ordinária realizada no dia 29 de setembro de 2016, unanimemente, conheceu do recurso da reclamante. No mérito, sem divergência, deu-lhe parcial provimento, para, reconhecendo a rescisão indireta do contrato de trabalho, condenar a reclamada a pagar à reclamante, além das verbas deferidas na sentença, as seguintes: a) salário dos meses de novembro de 2014 a março de 2015 (proporcional a 17 dias nesse último mês); b) aviso prévio indenizado de 48 dias; c) férias integrais 2014/2015 + terço constitucional, considerada a projeção do aviso prévio; d) 13.º salário proporcional de 2015, considerada a projeção do aviso prévio; e) FGTS + 40%, garantida a integralidade dos depósitos; f) indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Outrossim, deverá a reclamada registrar a baixa na CTPS da reclamante, considerando a projeção do aviso prévio (17/03/2015 + 48 dias), bem como fornecer à autora as guias TRCT e CD/SD, no prazo a ser designado para tanto, sob pena de multa diária de R$ 100,00. Majorou o valor da condenação em R$ 30.000,00, devendo a reclamada arcar com custas complementares de R$ 600,00.

 

PAULO ROBERTO DE CASTRO

DESEMBARGADOR RELATOR

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 07.10.2016)

 

BOLT8358---WIN/INTER

MEF38464

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