É POSSÍVEL QUE OS RECURSOS ORIUNDOS DO BÔNUS DO EXCEDENTE DA CESSÃO ONEROSA DO PRÉ-SAL SEJAM UTILIZADOS PARA O PAGAMENTO DAS DESPESAS PREVIDENCIÁRIAS, DESDE QUE PRECEDIDO DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA - MEF38524 - BEAP

 

 

                Trata-se de consulta eletrônica formulada por Prefeito Municipal, por meio da qual questionou, in verbis, se “os recursos dos excedentes do ‘pré-sal’ - Lei Federal nº 13.885/2019 poderão ser utilizados também nas despesas previdenciárias com o aporte financeiro para déficit atuarial ao RPPS que são empenhadas no elemento de despesa 3.3.91.97”.

                Conhecida a Consulta, o Relator, Conselheiro Durval Ângelo, esclareceu que a Lei Federal nº 13.885/2019 positivou a obrigatoriedade de que os recursos arrecadados pela União, após a realização de leilões, fossem repartidos e repassados aos demais entes federados brasileiros, tendo estabelecido, assim, requisitos objetivos de distribuição dos valores arrecadados com a exploração dos volumes excedentes ao limite de 5 bilhões de barris de petróleo, disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 12.276/2010.

                Traçado o arcabouço normativo, a relatoria analisou o questionamento abrangendo as seguintes temáticas: 1) a primeira, referente à possibilidade de utilização dos recursos do bônus do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal para pagamento das despesas previdenciárias dos municípios que adotam o RPPS; 2) a segunda, relativa à aplicação dos valores do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal como aporte financeiro para o equacionamento do déficit atuarial do regime próprio de previdência social.

                No que tange à possibilidade de os recursos do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal, como regulamentados pela Lei nº 13.885/2019, serem utilizados para pagamento das despesas previdenciárias dos municípios que adotam o Regime Próprio de Previdência Social, o Relator destacou que o regime próprio de previdência social, como definido pelo art. 40, caput, da Constituição da República, possui caráter contributivo e solidário, sendo mantido por contribuições do ente federativo, de servidores ativos e aposentados, e de pensionistas, exercendo sua função primordial de proteção do indivíduo por meio do pagamento de benefícios previdenciários.

                Nessa contextura, salientou que a viabilidade de tal medida consta objetivamente no artigo 1º, III, e § 3º, I, da Lei nº 13.885/2019, o qual estabelece que, nos Municípios, os recursos advindos dos leilões do pré-sal deverão ser destinados à “criação de reserva financeira específica para pagamento das despesas previdenciárias com os fundos previdenciários de servidores públicos ou com as contribuições sociais de que tratam as alíneas a e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, inclusive os decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias e os de contribuições incidentes sobre o décimo terceiro salário, do respectivo ente e de todas as pessoas jurídicas de direito público e privado integrantes de sua administração direta e indireta, ressalvadas as empresas estatais independentes, vincendas até o exercício financeiro do ano subsequente ao ano da transferência de recursos pela União”.

                Não obstante, em que pese a clareza e a literalidade contida na interpretação da referida norma, o Relator alteou ser imprescindível que a execução de tais despesas seja precedida da devida autorização legal, seja na Lei Orçamentária Anual, seja por meio de créditos adicionais. Assim, na hipótese de os recursos serem utilizados no exercício de 2021, porém sem ter havido a previsão no orçamento anual, as despesas deverão ser executadas por meio de aprovação de créditos adicionais, tendo como fonte o excesso de arrecadação ou superávit financeiro apurado no balanço patrimonial de 2020, conforme consta em entendimento expressado pela Secretaria do Tesouro Nacional, mediante a Nota Técnica SEI nº 11490/2019/ME.

                Sendo assim, concluiu que os recursos arrecadados com os leilões dos volumes excedentes do Pré-Sal, regulamentados pela Lei nº 13.885/2019, poderão ser empregados no pagamento de despesas previdenciárias do RPPS municipal, desde que precedido de autorização legislativa, devendo as respectivas despesas ser registradas de acordo com os códigos disponibilizados no Anexo II da Instrução Normativa nº 05/2011 - “DISCRIMINAÇÃO DAS NATUREZAS DE DESPESA”, TCE/MG.

                No que diz respeito à aplicação dos recursos do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal como aporte financeiro para o equacionamento de déficit atuarial do RPPS municipal, o Relator frisou que, desde a Emenda Constitucional nº 20/1998, a observância de critérios que visem à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) ganhou contornos constitucionais e traçou, assim, vetores estruturantes do sistema previdenciário, os quais permanecem vigentes e operantes mesmo após as modificações normativas implementadas pela novel Reforma Previdenciária instituída pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

                Na esteira de tais preceitos insculpidos pelo constituinte derivado, a relatoria asseverou que a Orientação Normativa SPS/MPS nº 02/2009, importante marco para a regulamentação da organização dos RPPS, previu, em seu artigo 22, que a garantia do equilíbrio no referido sistema de previdência deve ocorrer mediante “[...] avaliação atuarial inicial e as reavaliações realizadas em cada exercício financeiro para a organização e revisão do plano de custeio e de benefícios.”

                Nesse viés, destacou que a primeira opção à disposição dos entes federados, para fins de contenção de situações deficitárias, é materializada pela instituição do mecanismo intitulado “plano de amortização”, o qual deverá ser instaurado mediante lei, nos termos dos artigos 53, § 6º, e 54 da supracitada Portaria MF nº 464/2018, regulamentado pela Instrução Normativa nº 07, de 21 de dezembro de 2018, conforme esclarece o Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional.

                O segundo mecanismo que a Portaria MF nº 464/2018 disponibiliza aos entes federados para o controle do déficit atuarial de seu sistema previdenciário é materializado pelo sistema de “segregação de massa”, o qual, também instituído por lei, nos termos dos artigos 53, § 6º, e 58 da referida portaria, deve passar por aprovação da entidade fiscalizadora federal (art. 20, § 4º), e se fundamenta na ideia de que uma parte dos benefícios seja custeada por um “Fundo de Repartição” e outra por um “Fundo em Capitalização”, nos termos de seu artigo 56.

                Expendidas tais considerações, o Relator destacou que, da análise do art. 1º da Portaria MPS nº 746/2011, é possível concluir que os aportes para cobertura do déficit atuarial do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS instituído pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, deverão atender a duas condições: a) se caracterizarem como despesa orçamentária com aportes destinados, exclusivamente, à cobertura do déficit atuarial do RPPS conforme plano de amortização estabelecido em lei específica do respectivo ente federativo; e b) serem utilizados para o pagamento de benefícios previdenciários dos segurados vinculados ao Plano Previdenciário de que trata o art. 2º, inciso XX, da Portaria MPS nº 403, de 10 de dezembro de 2008.

                Ademais, o § 1º do referido art. 1º da Portaria MPS nº 746/2011 prevê que os aportes para cobertura de déficit atuarial do RPPS ficarão sob a responsabilidade da Unidade Gestora, devendo tais recursos serem controlados separadamente dos demais, de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos e, além disso, permanecerão devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, pelo prazo de, no mínimo, 5 anos.

                Diante de todo o cenário legislativo delineado pelo Relator, conclui-se que o arcabouço normativo não impõe maiores óbices para que os recursos oriundos dos leilões do excedente do “pré-sal”, transferidos aos entes federados em decorrência da Lei Federal nº 13.885/2019, venham a ser destinados às despesas previdenciárias vinculadas aos aportes financeiros para o equacionamento do déficit atuarial do RPPS, e que sejam, portanto, empenhados no elemento de despesa 3.3.91.97.

                Assim, considerando que os gastos com o equacionamento do déficit atuarial do RPPS são passíveis de serem classificados como despesas previdenciárias, tal como proposto pela legislação federal, asseverou inexistir impedimento para que tais recursos sejam destinados ao equacionamento do déficit atuarial do RPPS municipal, desde que o ente federado tenha instituído, mediante lei, um dos regimes de equacionamento de seu déficit previdenciário (“plano de amortização” ou “segregação de massa”) e que atenda à necessidade de que os recursos vinculados a tal fim sejam controlados separadamente dos demais, de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos e, que permaneçam devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, por, no mínimo, 5 anos.

                Acrescentou, ainda, que, nos termos do entendimento elaborado pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas ao responder, na sessão de 31.8.2011, à Consulta nº 837548, de relatoria do Conselheiro Elmo Braz Soares, os valores do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal, utilizados como aporte financeiro para equacionamento do déficit atuarial do RPPS e revertidos para o pagamento de benefícios previdenciários dos segurados do Plano Previdenciário, deverão ser escriturados sob o código 3.3.91.97.00 (3 - Despesas Correntes; 3 - Outras Despesas Correntes; 91 - Aplicação Direta Decorrente de Operação dentre Órgãos, Fundos e Entidades Integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social; 97 - Aporte para Cobertura do Déficit Atuarial do RPPS), conforme aponta a classificação orçamentária e financeira prevista na Instrução Normativa nº 05/2011, TCE/MG.

                Outrossim, destacou que, nos termos da jurisprudência consolidada por este Tribunal na Consulta nº 862594, de relatoria do Conselheiro Sebastião Helvecio, caso o ente municipal tenha optado por realizar o equacionamento de seu déficit atuarial previdenciário mediante o mecanismo da segregação de massas, previsto essencialmente nos artigos 56 a 60 da Portaria MF nº 464/2018, a contabilização de aportes financeiros feitos no plano/grupo financeiro de Regimes Próprios de Previdência Social que tenham optado por tal sistema deverá ocorrer “sob o código 3.5.1.3.2.01.01 - Recursos para cobertura de insuficiências financeiras (DÉBITO); 1.1.1.1.0.00.00 - Caixa e Equivalência de caixa em moeda nacional (CRÉDITO); 8.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade por destinação de recursos (DÉBITO) e 8.2.1.1.4.00.00 - Disponibilidade por destinação de recursos utilizada (CRÉDITO), nos termos do Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional”.

                Nesse diapasão, o Tribunal Pleno aprovou, por unanimidade, o voto do Relator, no sentido de que:

 

                1) é possível que os recursos oriundos do bônus do excedente da cessão onerosa do Pré-Sal sejam utilizados para o pagamento das despesas previdenciárias, com fulcro no artigo 1º, III, e § 3º, I, da Lei nº 13.885/2019, desde que precedida de autorização legislativa, devendo as despesas a eles vinculadas ser registradas de acordo com os códigos disponibilizados por este Tribunal no Anexo II da Instrução Normativa nº 05/2011 - “DISCRIMINAÇÃO DAS NATUREZAS DE DESPESA”;

                2) inexistem impedimentos para que os recursos oriundos dos leilões do excedente do “pré-sal”, transferidos aos entes federados em decorrência da Lei Federal nº 13.885/2019, venham a ser destinados às despesas previdenciárias vinculadas aos aportes financeiros para o equacionamento do déficit atuarial do RPPS, e que sejam empenhadas no elemento de despesa 3.3.91.97, desde que o ente federado tenha instituído, mediante lei, um dos regimes de equacionamento de seu déficit previdenciário (“plano de amortização” ou “segregação de massa”) e que, em observância aos termos do art. 1º, II, da Portaria MPS nº 746/2011, atenda à necessidade de que os recursos vinculados a tal fim sejam controlados separadamente dos demais, de forma a evidenciar a vinculação para qual foram instituídos e, que permaneçam devidamente aplicados em conformidade com as normas vigentes, por, no mínimo, 5 anos.

 

                [Processo nº 1082555 - Consulta. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Tribunal Pleno, deliberado em 3.2.2021]

 

 

BOCO9728---WIN/INTER

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