OS RECURSOS ORIUNDOS DA CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS DEVEM SER CLASSIFICADOS COMO RECEITA DE CAPITAL, OBSERVANDO O MÉTODO DE CONTABILIZAÇÃO PRESENTE NA IPC Nº 13, E NÃO FAZEM PARTE DA BASE DE CÁLCULO DOS GASTOS MÍNIMOS CONSTITUCIONAIS DE EDUCAÇÃO E SAÚDE, NEM COMPÕEM O FUNDEB - MEF39044 - BEAP
Trata-se de consulta formulada por prefeito, por meio da qual questionou, considerando os termos da Lei estadual nº 23.422/2019, qual a rubrica de receita orçamentária e DRs a ser utilizada para contabilização dos recursos, originários de dívidas referentes à Cota-Parte do ICMS, Cota-Parte do IPVA Transferências do Fundeb. Questionou, ainda, se, na execução das despesas de recursos oriundos da cessão de direitos creditórios, deverão ser atendidos os mínimos constitucionais em Ensino (25% ICMS e IPVA), Saúde (15% ICMS e IPVA) e na valorização dos profissionais do magistério (60% Fundeb).
O Tribunal Pleno, na sessão do dia 16.12.2020, conheceu da Consulta, por unanimidade.
No mérito, o Relator, conselheiro Wanderley Ávila, destacou, inicialmente, que o Estado de Minas Gerais, como medida para atenuar os efeitos da crise econômica vivida em âmbito estadual sancionou a Lei estadual nº 23.422/2019 autorizando os municípios a cederem direitos creditórios e realizar operações de crédito sobre as transferências obrigatórias do Estado em atraso, com o objetivo de reequilibrar suas finanças.
No que tange ao enquadramento adequado para contabilização desses recursos, o Relator, em atenção aos arts. 1º e 6º da aludida Lei, que preceitua as possibilidades de operacionalização de cessão de direitos creditórios, destacou que a Instrução de Procedimentos Contábeis nº 13 - Cessão de Direitos Creditórios, produzida pelo Ministério da Fazenda em conjunto a Secretaria do Tesouro Nacional, define os créditos tributários como, nos termos do Código Tributário Nacional, “toda prestação pecuniária compulsória em moeda cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade plenamente vinculada”. Lado outro, os créditos não tributários são aqueles não submetidos às peculiaridades do regime jurídico dos tributos, sendo passíveis de venda verdadeira - efetiva transferência do recebível para o ativo da entidade securizadora, assegurando aos investidores o direito legal sobre os recebíveis; ou cessão definitiva - caracterizada pela impossibilidade de os ativos cedidos retornarem ao cedente no caso de falência.
Nessa contextura, a relatoria concluiu que os créditos objetos do questionamento enquadram-se como créditos de natureza não tributários, devendo ser contabilizados da seguinte forma:
ROTEIRO DE CONTABILIZAÇÃO - CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO TRIBUTÁRIOS - CESSÃO DEFINITIVA (SEM COOBRIGAÇÃO NO CEDENTE)
48. Pressupõe-se que:
a. Os recebíveis da entidade podem ser alienados, não há restrições legais para a cessão definitiva.
b. A entidade cede seus recebíveis, em caráter definitivo para uma SPE, que irá captar recursos mediante a emissão de debêntures lastreadas nesses recebíveis.
EXEMPLO
A. Ente governamental aliena seus recebíveis, mediante um contrato de cessão definitiva, no valor de R$ 100.000. O ente receberá R$ 55.000 (deságio de 45%). A SPE emite debêntures lastreadas nos recebíveis no valor de R$ 80.000, pagando juros aos investidores. Assim, apresenta-se proposta para registros no ente público cedente:
Natureza da informação: patrimonial
D 1.1.3.8.x.xx.xx DIREITOS CREDITÓRIOS A RECEBER (P) R$ 55.000
D 3.4.x.x.x.xx.xx VPD DESÁGIO - CESSÃO DE DIR CREDITÓRIOS (DEFINITIVA) R$ 45.000
C 1.x.x.x.x.xx.xx CRÉDITOS A RECEBER (P) R$ 100.000
Natureza da informação: patrimonial
D 1.1.1.1.1.xx.xx CAIXA E EQUIVALENTES DE CAIXA EM MOEDA NACIONAL (F) R$ 55.000
C 1.1.3.8.x.xx.xx DIREITOS CREDITÓRIOS A RECEBER (F) R$ 55.000
Natureza da informação: orçamentária
D 6.2.1.1.x.xx.xx RECEITA A REALIZAR R$ 55.000
C 6.2.1.2.x.xx.xx RECEITA REALIZADA R$ 55.000
NR: Receita de Capital – Alienação de Créditos
Natureza da informação: controle
D 7.2.1.1.x.xx.xx CONTROLE DA DISPONIBILIDADE DE RECURSOS R$ 55.000
C 8.2.1.1.1.xx.xx DISPONIBILIDADE POR DESTINAÇÃO DE RECURSOS R$ 55.000
Acrescentou, outrossim, que tais receitas devem ser contabilizadas como Receita de Capital, em observância ao disposto nas orientações do Tesouro Nacional e no § 2º do art. 11 da Lei Nacional nº 4.320/1964.
Quanto ao segundo questionamento, o Relator, em síntese, manifestou-se no sentido de que deveriam ser observados os mínimos constitucionais de Ensino, Saúde e valorização dos profissionais do magistério nas execuções das despesas provenientes da cessão de direitos creditórios, nos termos do disposto no art. 1º, §11, da Lei estadual nº 23.422/2019.
Na oportunidade, o conselheiro Cláudio Couto Terrão pediu vista dos autos.
O conselheiro vistor, na sessão do Tribunal Pleno realizada no dia 24.2.2021, acompanhou o relator em relação ao primeiro questionamento. Todavia, no que tange ao segundo questionamento, o conselheiro Cláudio Couto Terrão ponderou que a situação apresentada contempla particularidades legais e contábeis, decorrentes, basicamente, do fato de que os percentuais mínimos a que se refere o consulente - manutenção e desenvolvimento do ensino, ações e serviços públicos de saúde e valorização dos profissionais do magistério - são calculados sobre a receita resultante dos impostos, inclusive a proveniente de transferências, como é o caso do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), os quais são ordinariamente classificados como Receita Corrente. Porém, quando o direito ao seu crédito é objeto de cessão, nos termos da Lei estadual nº 23.422/2019, os recursos daí advindos passam a ostentar a qualidade de Receita de Capital, conforme exposto alhures.
Nesse diapasão, ressaltou que a Constituição Federal estabelece como base de cálculo dos recursos destinados à saúde e educação, respectivamente, “o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os art. 158 e art. 159, inciso I, alínea b e § 3º” e a “receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências”.
Em relação à aludida base de cálculo, o vistor destacou os arts. 7º, art 9º, art. 10 e art. 29 da Lei Complementar nº 141/2012 (valores mínimos a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde); o §1º do art. 69 da Lei nº 9.394/1996 (diretrizes e bases da educação). Salientou, ainda, no caso do Fundeb, o art. 212-A da Constituição da República (incluído pela Emenda Constitucional nº 108/20).
Na sequência, alteou que, de acordo com o art. 35 da Lei nº 4.320/1964, as despesas são reconhecidas pelo regime de competência, ao passo que as receitas são reconhecidas pelo regime de caixa. No caso das transferências constitucionais, a arrecadação pelo ente transferidor (Estado) gera um direito a receber (ativo) para o ente recebedor (Município), em contrapartida de variação patrimonial aumentativa, conforme Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público.
Dessa forma, enquanto a transferência não for realizada pelo Estado, o Município deve registrar somente um direito a receber. Apenas quando do efetivo ingresso do recurso transferido pelo Estado, o Município deve efetuar a baixa do direito a receber (ativo) em contrapartida do ingresso no banco (afetando o superávit financeiro). Simultaneamente, o Município deve registrar a receita orçamentária realizada em contrapartida da receita a realizar nas contas de controle da execução do orçamento.
No caso dos direitos creditórios a que se refere a Lei estadual nº 23.422/2019, esta última etapa - recebimento - não ocorreu. Assim, não houve ainda o reconhecimento do efetivo ingresso dos recursos relativos às transferências, nem a realização da receita orçamentária.
Outro ponto destacado pelo conselheiro Cláudio Couto Terrão é que o recebimento de uma transferência constitucional dá origem a uma Receita Corrente, ao passo que a alienação do direito creditório correlato gera uma Receita de Capital, a qual não carrega a natureza ou os efeitos jurídicos do crédito que lhe deu origem (transferências inadimplidas pelo Estado). Sendo assim, mesmo quando do efetivo recebimento, os recursos derivados da cessão de créditos previsto na Lei estadual nº 23.422/2019 não interferirão na base de cálculo dos gastos mínimos em saúde, educação ou na composição do Fundeb.
O vistor citou, ademais, o teor do art. 69, § 2º, da Lei nº 9.394/1996, segundo o qual, para fins de apuração da base de cálculo de gastos mínimos em educação, serão consideradas excluídas das receitas de impostos as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária de impostos. Além disso, tendo em vista que os recursos obtidos com a cessão de créditos não são considerados na base de cálculo da receita, as despesas realizadas com estes recursos também não serão consideradas para fins de apuração dos mínimos constitucionais em saúde, conforme disposto no inciso I do §4º do art. 24 da Lei Complementar nº 141/2012.
Desse modo, o conselheiro Cláudio Couto Terrão abriu divergência em relação ao segundo questionamento, por entender que os recursos advindos da cessão de créditos prevista na Lei estadual nº 23.422/2019 não interferem na apuração da base de cálculo dos percentuais constitucionais vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino e às ações e serviços públicos de saúde, bem como na composição do Fundeb.
Concluída a deliberação, o voto divergente do conselheiro Cláudio Couto Terrão foi aprovado, ficando vencidos, em parte, o conselheiro relator, Wanderley Àvila, o conselheiro Gilberto Diniz e o conselheiro Durval Ângelo.
Assim, o Tribunal Pleno respondeu aos questionamentos, por maioria, no sentido de que:
1) a rubrica de receita orçamentária e DRs relativas aos recursos provenientes de dívidas referentes à Cota-Parte do ICMS, Cota-Parte do IPVA e transferências do FUNDEB, operados por meio de cessão de direitos creditórios, serão classificadas como Receita de Capital, observando o método de contabilização presente na IPC nº 13, confeccionada pelo Ministério da Fazenda em conjunto a Secretaria do Tesouro Nacional;
2) os recursos oriundos da cessão de direitos creditórios a que se refere a Lei estadual nº 23.422/2019 não fazem parte da base de cálculo dos gastos mínimos constitucionais em manutenção e desenvolvimento do ensino e ações e serviços públicos de saúde, nem compõem o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb.
[Processo nº 1077213 - Consulta. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Prolator de voto vencedor Cons. Cláudio Couto Terrão. Tribunal Pleno. Deliberado em 24.2.2021] Vídeo da sessão de julgamento: TVTCE 25m48s
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