CRITÉRIOS DE MATERIALIDADE, RISCO E RELEVÂNCIA PARA DEFINIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS QUE DEVEM SER ANALISADOS PELAS CONTROLADORIAS DOS MUNICÍPIOS, POR AMOSTRAGEM - MEF39101 - BEAP
Trata-se de consulta formulada por controlador interno de município, por meio da qual questionou o entendimento deste Tribunal acerca da materialidade, risco e relevância como critérios para definição dos procedimentos licitatórios que devem ser analisados pelas Controladorias dos municípios, por amostragem.
O Tribunal Pleno, conheceu da Consulta, por unanimidade. No mérito, o relator, conselheiro Wanderley Ávila, destacou que materialidade, risco e relevância são preceitos que deverão ser assentados por cada órgão de controle interno, frente à sua idiossincrasia, havendo manuais e produções textuais em demasia sobre o tema, permitindo assim nortear os conceitos analisados.
Em relação ao conceito de materialidade, o relator destacou que o Manual de Auditoria desta Corte de Contas parte das definições elencadas na NBC TA 320 (R1) - Materialidade no Planejamento e na Execução da Auditoria, formulada pelo Conselho Federal de Contabilidade - CFC, nos seguintes termos:
“Para fins das normas de auditoria, materialidade para execução da auditoria significa o valor ou valores fixados pelo auditor, inferiores ao considerado relevante para as demonstrações contábeis como um todo, para adequadamente reduzir a um nível baixo a probabilidade de que as distorções não corrigidas e não detectadas em conjunto, excedam a materialidade para as demonstrações contábeis como um todo. Se aplicável, materialidade para execução da auditoria refere-se, também, ao valor ou valores fixados pelo auditor inferiores ao nível ou níveis de materialidade para classes específicas de transações, saldos contábeis e divulgações.”
[...]
“A determinação de materialidade para execução de testes não é um cálculo mecânico simples e envolve o exercício de julgamento profissional. É afetado pelo entendimento sobre a entidade, atualizado durante a execução dos procedimentos de avaliação de risco, e pela natureza e extensão de distorções identificadas em auditorias anteriores e, dessa maneira, pelas expectativas em relação a distorções no período corrente.
A materialidade das demonstrações contábeis como um todo pode precisar ser revista em decorrência de alterações nas circunstâncias que ocorreram durante a auditoria, novas informações ou mudança no entendimento sobre a entidade e suas operações, em virtude da execução de procedimentos adicionais de auditoria (NBC TA 320)”
O TCU, por sua vez, com fulcro nas Normas Internacionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores (ISSAI), traz distinção quanto aos fatores de natureza quantitativa e qualitativa, endossando as considerações presentes no manual deste Tribunal, in verbis:
“Os fatores qualitativos da materialidade podem incluir aspectos como: se o achado é resultado de fraude; se um aspecto específico do objeto auditado é significativo no que se refere à natureza, visibilidade e sensibilidade; se a saúde ou segurança dos cidadãos é afetada; se o achado se relaciona à transparência ou à accountability (GUID 3910/110).
Os fatores quantitativos relacionam-se à magnitude dos achados que são expressos numericamente. É preciso considerar o efeito agregado dos achados que individualmente sejam não significantes (GUID 3910/113).”
Acrescentou, ainda, que a ISSAI 100/41 estabelece que a materialidade é constituída por três aspectos, sendo eles o valor (gastos orçamentários), natureza (orientação pelos parâmetros estabelecidos por outros órgãos integrantes da Administração Pública) e contexto (compatibilização ao ambiente de operação da auditoria), sendo indiscutível que a materialidade possui íntima ligação aos dispêndios financeiros realizados pelo ente público.
Nesse diapasão, este Tribunal de Contas, em 14.12.2020, editou a Decisão Normativa 01/2020 fixando em R$ 100.000,00 o valor de alçada para instauração do procedimento de tomada de contas especial, condicionando o processamento das TCE´s, atrelando-o ao prejuízo econômico-financeiro superior ao referido montante. Restringindo, assim, o número de procedimentos a serem julgados por esta Corte. Ademais, no âmbito da Ordem de Serviço Conjunta 02/2019, que estabelece o escopo para exame da prestação de contas anual do chefe do Poder Executivo naquele ano, o TCE/MG considerou que, “na aferição do cumprimento das disposições previstas nos incisos V, VI e VII deste artigo, devem ser observadas as Consultas 873706 e 932477, a efetiva realização da despesa, bem como a materialidade, risco e a relevância dos valores apontados como irregulares.” (art. 1º, §7º da norma).
Nessa contextura, a relatoria ressaltou que não cabe aos municípios fundamentar seus parâmetros de tratamento no valor de alçada estabelecido por esta Corte de Contas, mas sim proceder à avaliação de forma contextualizada ao seu porte econômico e sua capacidade operacional de atuação no controle, não podendo adotar critério incompatível com os dispêndios do ente. Em outras palavras, se são processadas, por exemplo, cem licitações por ano, sendo apenas 10% (dez por cento) delas com valor representativo frente ao orçamento para aquele exercício, é necessário que o município adote novo parâmetro econômico de referência, contemplando, sem exceder sua capacidade produtiva, um maior número de procedimentos.
Sendo assim, o relator asseverou que as balizas de operação da equipe de auditoria interna são, sim, determinadas pelos critérios que, particularmente, entenderem convenientes. Porém, devem ser avaliados os fatores quantitativos e qualitativos do objeto, buscando a proteção e consecução dos princípios administrativos, registrando que a seleção das contratações de maior vulto financeiro é estratégia pertinente na definição do universo de trabalho do órgão de controle, quanto ao aspecto da materialidade.
O conselheiro relator, com fulcro na definição utilizada pelo MPU, asseverou que a relevância “significa a importância relativa ou papel desempenhado por determinada questão, situação ou unidade, existentes em um dado contexto. Aspecto ou fato considerado importante, em geral no contexto do objetivo delineado, ainda que não seja material ou economicamente significativo.” Assim, é possível considerar relevante toda manifestação que influencie, de forma significativa, os contornos do objeto auditado.
O relator alteou ser de suma importância a apreciação das prioridades elencadas nos planos e orçamentos do ente público, pois estas determinam os objetivos de atuação para aquele ano e para futuros, direcionando a análise aos pontos de foco da atuação administrativa. Em igual sentido, a análise pelas auditorias de relatos de desperdícios, erros ou desobediência, também incluídas as denúncias formuladas perante a ouvidoria do órgão e Tribunais de Contas, permite identificar as áreas de maior sensibilidade e, consequentemente, que devem ser auditadas com maior zelo pelo controle interno.
Nessa contextura, relembrou que a Consulta 912160, desta Corte de Contas, concluiu, acertadamente, que “não é recomendável que os entes federados incluam dentre as competências do sistema de controle interno, mediante o devido processo Legislativo, a obrigatoriedade de analisar todos os procedimentos licitatórios realizados [...]”, sendo indispensável a avaliação conjunta dos critérios de materialidade e relevância para se determinar os objetos sujeitos a auditoria governamental.
Quanto ao risco, a relatoria salientou ser possível identificar riscos de duas naturezas nos procedimentos de auditoria. Os Riscos de Auditoria são aqueles relativos ao procedimento de auditar, assim, recaem sobre os pareceres e opiniões técnicas emitidas pelo auditor. Por sua vez, os riscos inerentes ao objeto de auditoria são aqueles capazes de impactar negativamente os objetivos das organizações, programas ou atividades governamentais.
O Manual de Auditoria deste Tribunal recorre às acepções contidas na NBC TA 315 para delimitar que os riscos “devem ser identificados ao longo de todo o processo de obtenção do entendimento da entidade e do seu ambiente, considerando-se os controles relevantes a eles relacionados e as classes de transações, saldos de contas e divulgações nas demonstrações contábeis”, devendo-se recorrer à realização de:
“testes de controles ou procedimentos substantivos, dependendo do contexto em que sejam aplicados: o exame de registros ou documentos, internos ou externos (em forma de papel, em forma eletrônica ou em outras mídias, ou o exame físico de um ativo); confirmação externa; recálculo (da exatidão matemática de documentos ou registros); procedimentos analíticos (avaliação das informações feitas por meio de estudo das relações plausíveis entre dados financeiros e não financeiros). Os procedimentos analíticos incluem também a investigação 103 de flutuações e relações identificadas que sejam inconsistentes com outras informações relevantes ou que se desviem significativamente dos valores previstos); indagação.”
Destacou, ainda, trechos do Manual de Orientações Técnicas da Atividade de Auditoria Interna Governamental do Poder Executivo Federal, elaborado pela Controladoria Geral da União, em conjunto ao Ministério da Transparência, o qual traz extenso exame acerca da identificação e tratamento de riscos pelos órgãos de auditoria internos, bem como transcreveu o quadro exemplificativo de possíveis causas dos riscos presente do aludido manual.
Ao final, o relator, em sede de conclusão, concluiu que a definição dos procedimentos licitatórios a serem analisados pelas Controladorias municipais, por amostragem, deve observar, quanto à materialidade, o montante investido para aquela contratação, uma vez que o tratamento antecipado de intercorrências pode resultar maior aproveitamento financeiro ao órgão. Quanto à relevância, deve-se buscar as atividades de maior sensibilidade social, pois se comunicam intimamente com os princípios e objetivos da Administração Pública. Por seu turno, a avaliação de riscos exige processo prévio de avaliação da atividade a ser desempenhada pelo órgão, distinguindo os âmbitos de maior criticidade.
[Processo 1031705 - Consulta. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Tribunal Pleno. Deliberado em 28.4.2021]
BOCO9779---WIN/INTER
MEF39101
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