ICMS - NÃO INCIDÊNCIA - EXPORTAÇÃO - ROUBO - ORIENTAÇÃO DA RECEITA ESTADUAL - MEF39485 - LEST MG

 

Consulta nº : 008/2020

PTA nº         : 45.000020017-72

Consulente  : Kinross Brasil Mineração S/A

Origem       : Belo Horizonte - MG

 

E M E N T A

 

                ICMS - NÃO INCIDÊNCIA - EXPORTAÇÃO - ROUBO - Para os efeitos do ICMS e aplicação da não incidência do imposto prevista no inciso III do art. 5º do RICMS/2002, regra geral, a exportação se caracteriza com a remessa física da mercadoria para o exterior. Caso a exportação não seja concretizada, o ICMS devido pela saída de mercadoria se torna exigível, conforme previsto no § 2º do art. 7º c/c § 7º do art. 33, todos da Lei nº 6.763/1975, c/c alínea “a” do inciso I do § 3º do art. 5º, c/c art. 242-E da Parte 1 do Anexo IX, todos do RICMS/2002.

 

                EXPOSIÇÃO:

                A Consulente apura o ICMS pela sistemática de débito e crédito e exerce a extração de minério de metais preciosos (CNAE 0724-3/01) como atividade principal informada no cadastro estadual.

                Relata que, no mês de julho de 2019, comercializou 549,4 Kg de ouro em barras (NCM 7108.13.10) para sua matriz canadense, Kinross Gold Corporation (KGC), conforme notas fiscais nos 696 e 697 e Declaração Única de Exportação (DU-E) nº 19BR000989228-0, registrada no Portal único SISCOMEX em 24/07/2019.

                Informa que a operação de venda foi contratada na modalidade EX-WORKS (EXW), na qual o vendedor é responsável apenas por disponibilizar os produtos vendidos no seu estabelecimento para a retirada pelo comprador, se eximindo de qualquer responsabilidade pelo transporte.

                Explica que os INCOTERMS são aceitos no Brasil para fins de comércio exterior, conforme expressamente previsto na Portaria SECEX nº 23/2011.

                Acrescenta que a compradora contratou a empresa Brinks Segurança e Transporte de Valores Ltda. especializada em logística de mineração, para a realização do transporte do ouro, que foi retirado no estabelecimento da empresa responsável pelo seu beneficiamento.

                Conclui que, para todos os fins (públicos e privados), a transferência da propriedade da mercadoria para a compradora efetivamente se deu com a retirada da mercadoria do seu estabelecimento e o recebimento do valor integral do contrato de compra e venda.

                Notícia que, em 25/07/2019, após o desembaraço aduaneiro, no momento do transbordo no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, a mercadoria foi objeto de roubo, fato registrado no Boletim de Ocorrência nº 146/2019, lavrado pelo DEIC-5ª Delegacia da DISCCPAT.

                Afirma que realizou o estorno dos créditos de ICMS, proporcionalmente ao valor que supostamente seria devido caso a operação de exportação não tivesse sido efetivada para todos os fins, embora entenda que esse procedimento não esteja amparado pelo que dispõe a legislação.

                Entende que não é devido ICMS no caso em concreto, em face da não incidência do imposto nas operações de exportação, prevista na alínea “a” do inciso X do art. 155 da Constituição de 1988 e inciso II do art. 32 da Lei Complementar nº 87/1996. Entende também que o estorno de crédito não é aplicável ao caso, tendo em vista o direito à manutenção de crédito prevista no inciso II do art. 32 da referida lei complementar.

                Afirma que, não obstante as disposições da Constituição de 1988 e da Lei Complementar nº 87/1996 nesse sentido, o Convênio ICMS 84/2009 inovou a matéria, ao introduzir novo fato gerador do ICMS concernente às exportações indiretas que não se efetivarem em razão de perda, furto, roubo, incêndio, calamidade, perecimento, dentre outras modalidades de sinistro da mercadoria, o que foi replicado no inciso II do art. 249 da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/2002, embora esse último somente trate de casos de exportação indireta, não mencionando a exportação direta.

                Acrescenta que a Lei nº 6.763/1975 prevê a exigência do ICMS quando ocorre a perda da mercadoria nas exportações indiretas, mas não menciona a hipótese de roubo de mercadoria exportada, seja na modalidade direta ou indireta, conforme se vê da redação do inciso VII do § 2º do art. 6º, c/c § 1º do art. 7º, todos da referida lei estadual.

                Assevera que a exigência de previsão legal para a exigência do ICMS no caso concreto equivaleria à criação de uma nova hipótese de incidência não prevista na Lei Complementar nº 87/1996, cujo o critério material seria o “roubo da mercadoria a ser exportada, o que é vedado pela alínea “a” do inciso III do art. 146 da Constituição Federal de 1988.

                Aduz que, embora a mercadoria tenha sido roubada, a operação de exportação realizada pela consulente efetivamente aconteceu, tendo disponibilizado corretamente toda a mercadoria vendida à empresa estrangeira, para retirada em seu estabelecimento caracterizando a tradição da coisa (troca de titularidade do bem), pelo que recebeu o valor contratado da empresa adquirente.

                Ressalta que a saída física do país não é requisito imprescindível para que se considere efetivada a exportação, uma vez que a averbação da DU-E, que consiste na confirmação da saída da mercadoria do país, também se aplica aos casos de exportação ficta e DAC (Depósito Alfandegário Certificado), em que, embora considerada exportada, a mercadoria não sai fisicamente do território nacional, conforme previsto no art. 6º da Lei nº 9.826/1999 e nos arts. 233 e 234 do Regulamento Aduaneiro.

                Afirma que o art. 61 da Lei nº 10.833/2003 reforça a importância do recebimento do valor da exportação para que se considere a operação efetivamente realizada, ainda que se refira a uma exportação sem saída do produto do território nacional.

                Entende que o art. 71 do RICMS/2002 e o art. 32 da Lei nº 6.763/1975 ampliaram as hipóteses de estorno de crédito, criando novas obrigações não previstas no art. 21 da Lei Complementar nº 87/1996, avançando assim em matéria cuja a competência foi atribuída à lei complementar, conforme disposto no inciso III do art. 146, c/c inciso XII do § 2º do art. 155, ambos da Constituição Federal de 1988.

                Cita jurisprudência e doutrina sobre o assunto.

                Salienta que para fins de cálculo do crédito acumulado de ICMS no período, a Resolução nº 3.535/2004 prevê que o contribuinte deverá informar no Demonstrativo de Crédito Acumulado de ICMS (DCA-ICMS) os valores relativos às exportações comprovadas e os valores das exportações ainda pendentes de comprovação (linhas 15.1 e 15.2).

                Continua dizendo que essas informações determinam, respectivamente, a parcela dos créditos liberados para transferência e a parcela de créditos pendentes, permanecendo esse último montante impedido de ser transferido a terceiros até a sua efetiva comprovação.

                Com dúvida sobre a correta interpretação da legislação tributária, formula a presente consulta.

 

                CONSULTA:

                1 - É correto o entendimento da Consulente de que, considerando que a operação de exportação (direta) efetivamente ocorreu no caso concreto, não é devido o ICMS relativo à referida operação, ainda que ocorrido o roubo da mercadoria exportada?

                2 - É correto o entendimento da Consulente de que não deve ser realizado o estorno proporcional dos créditos de ICMS em razão do roubo da mercadoria exportada, considerando que a operação de exportação efetivamente ocorreu, bem como a ausência de previsão na Lei Complementar nº 87/1996?

                3 - Em caso de resposta positiva ao questionamento anterior, o boletim de ocorrência seria suficiente para comprovar a efetiva exportação das mercadorias acobertadas pelas notas fiscais nos 696 e 697? Caso não seja possível, qual seria o documento hábil para essa comprovação?

                4 - Em caso de resposta negativa ao questionamento nº 2, para fins de preenchimento do DCA-ICMS, após o estorno dos créditos, a Consulente deverá somar o valor do ICMS referente às operações acobertadas pelas notas fiscais nos 696 e 697 ao montante das exportações comprovadas (linha 15.1) ou excluir o valor do referido ICMS do montante de operações ainda pendentes de comprovação (linha 15.2)?

 

                RESPOSTA:

                Preliminarmente, saliente-se que compete privativamente à União legislar sobre comércio exterior, cabendo à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) dirimir dúvidas envolvendo a aplicação da legislação federal sobre o tema.

                Todavia, a fiscalização do ICMS, em conformidade com o art. 188 do RICMS/2002, compete aos órgãos próprios da Secretaria de Estado de Fazenda, dentro da atribuição constitucional de competência para a instituição do imposto.

                Com efeito, cabe aos Estados legislarem sobre o ICMS, observados os limites definidos na própria Constituição e em lei complementar. Portanto, não há subordinação da legislação estadual à legislação federal.

                Da mesma forma, a imunidade (alínea "a", inciso X, § 2º, art. 155) determinada para a exportação, no que se refere ao ICMS, não está adstrita ao tratamento tributário dispensado pela União.

                Nesse sentido, as normas e procedimentos previstos na legislação federal, descritos pela Consulente, produzirão efeitos diretos em relação aos tributos federais.

                Para fins do ICMS, regra geral, a exportação se caracteriza com a remessa física da mercadoria para o exterior. Nesse sentido, vide Consulta de Contribuinte nº 203/2009.

                Ademais, a referida operação não se configura como hipótese de exportação de bens que devam permanecer no país, admitida pelos arts. 105 e 106 da Instrução Normativa RFB nº 1.702/2017, tendo em vista que o motivo da não saída da mercadoria do país foi o seu roubo.

                Importante salientar que, salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes, conforme estabelece o art. 123 da Lei nº 5.172/1966 (CTN).

                Sendo assim, o fato de a venda ter sido contratada na modalidade EX-WORKS (EXW) não tem o condão de transferir a sujeição passiva da obrigação tributária da consulente para o adquirente da mercadoria.

                Cabe destacar que a exportação direta é aquela realizada pelo próprio exportador da mercadoria e, consequentemente, a ele são dirigidos os benefícios fiscais previstos nas legislações estadual e federal, bem como eventuais obrigações tributárias.

                Esclareça-se ainda que, nos termos do art. 92 da IN RFB nº 1.702/2017, apenas uma DU-E na situação averbada atesta, para todos os fins fiscais, cambiais e comerciais, a efetiva exportação da mercadoria para o exterior.

                Feitos esses esclarecimentos, passa-se à resposta dos questionamentos formulados.

                1 - O entendimento da Consulente reputa-se incorreto. A alínea “a” do inciso X do § 2º do art. 155 da Constituição de 1988 estabelece a imunidade do ICMS sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, e sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores. Nesse mesmo sentido, encontram-se o inciso II do art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996, c/c inciso II do art. 7º da Lei nº 6.763/1975, c/c inciso III do art. 5º do RICMS/2002.

                Importante ressaltar que a venda do ouro em barras em questão teve por objetivo a exportação para o exterior, como se pode apreender pela indicação do CFOP 7.127 - “Venda de produção do estabelecimento sob o regime de “drawback”, pertencente ao grupo 7.000 - Saídas ou prestações de serviços para o exterior nas notas fiscais nos 696 e 697, a elaboração e lançamento da DU-E no SISCOMEX, bem como pelo não recolhimento do ICMS em face da não incidência do imposto prevista no inciso III do art. 5º do RICMS/2002.

                Ademais, embora tenha havido o pagamento do valor da venda e a contratação de empresa para realizar o transporte às expensas do adquirente, o que poderia denotar a cessação da responsabilidade da Consulente, dada à efetivação da transferência da propriedade da mercadoria, resta-lhe, na qualidade de exportadora direta e pessoa jurídica habilitada para a prática de atos no SISCOMEX, promover todos os procedimentos exigidos pela legislação aduaneira para que se efetivem a saída da mercadoria do território nacional e a remessa para a empresa adquirente, tais como emissão da DU-E, desembaraço aduaneiro, averbação de embarque ou transposição de fronteira, dentre outros.

                Evidencia-se, portanto, que a imunidade em questão tem a destinação da mercadoria para o exterior como pressuposto essencial para sua efetivação, cuja a comprovação se dá com a averbação de embarque ou transposição de fronteira, e não apenas com o recebimento do valor contratado.

                Com efeito, caso a exportação da mercadoria para o exterior não seja concretizada, o ICMS devido pela saída da mercadoria se torna exigível, conforme previsto no § 2º do art. 7º, c/c § 7º do art. 33, todos da Lei nº 6.763/1975, c/c alínea “a” do inciso I do § 3º do art. 5º, c/c art. 242-E da Parte 1 do Anexo IX, todos do RICMS/2002.

                Vale destacar que o fato gerador do ICMS não é o roubo da mercadoria, mas, sim, a sua circulação.

                Dessa forma, findado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da saída da mercadoria, ou seja 19/01/2020, sem que se comprove a efetivação da exportação para o exterior mediante a apresentação da averbação da DU-E ou o retorno da mercadoria ao seu estabelecimento, a Consulente deverá providenciar o recolhimento do ICMS devido pela saída da mercadoria, fato gerador do imposto previsto no inciso I do art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996, c/c item 1 do § 1º do art. 5º da Lei nº 6.763/1975, c/c inciso I do art. 1º do RICMS/2002.

                2 - Prejudicada. Havendo o recolhimento do ICMS em face da não efetivação da exportação da mercadoria para o exterior, a Consulente não terá que estornar os créditos pela entrada, em obediência à regra da não cumulatividade, consoante art. 62 do RICMS/2002.

                Vale ressaltar que, relativamente aos insumos utilizados no beneficiamento do ouro que tenham sido importados do exterior sob o regime de drawback integrado suspensão ou genérico com a isenção do ICMS prevista no item 64 da Parte 1 do Anexo I do RICMS/2002, caso não seja comprovada a exportação, a Consulente deverá proceder o recolhimento do imposto incidente na importação, com todos os acréscimos legais, calculados a contar da data de ocorrência do fato gerador, tendo em vista o disposto nos subitens 64.2 c/c 64.6 do referido item. 

                3 - Prejudicada. Cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) dirimir dúvidas envolvendo a aplicação da legislação federal sobre o tema, inclusive se manifestar quanto a efetivação da exportação no presente caso.

                Pelo o que consta, já houve essa manifestação, inclusive em sede de recurso hierárquico, no sentido de não ter havido a exportação da mercadoria para o exterior, o que acarretou a não averbação e o cancelamento da DU-E nº 19BR000989228-0, referente ao despacho de exportação das mercadorias constantes das NFe nº 696 e 697 emitidas pela Consulente.

                4 - Prejudicada.

                Por fim, se da solução dada à presente consulta resultar imposto a pagar, este poderá ser recolhido sem a incidência de penalidades, observando-se o prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que a Consulente tiver ciência da resposta, desde que o prazo normal para seu pagamento tenha vencido posteriormente ao protocolo desta Consulta, observado o disposto no art. 42 do RPTA, estabelecido pelo Decreto nº 44.747/2008.

                DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 15 de janeiro de 2020.

 

Nilson Moreira

Assessor

Divisão de Orientação Tributária

 

Ricardo Wagner Lucas Cardoso

Coordenador

Divisão de Orientação Tributária

 

De acordo.

 

Tábata Hollerbach Siqueira

Diretora de Orientação e Legislação Tributária em exercício

 

De acordo.

 

Marcelo Hipólito Rodrigues

Superintendente de Tributação

 

 

BOLE11798---WIN/INTER

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