A IMPOSIÇÃO DE RESTRIÇÃO EXCEPCIONAL À PARTICIPAÇÃO DE INTERESSADOS EM PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS COM BASE EM CRITÉRIOS GEOGRÁFICOS DEPENDE DE DEMONSTRAÇÃO CONCOMITANTE DA EXISTÊNCIA DOS SEGUINTES REQUISITOS: AS ESPECIFICAÇÕES DO OBJETO LICITADO, A PERTINÊNCIA TÉCNICA PARA O ESPECÍFICO OBJETO LICITADO, O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E A VANTAJOSIDADE PARA A ADMINISTRAÇÃO - MEF39724 - BEAP

 

 

                Trata-se de Denúncia apresentada por cidadão em face de Pregão Presencial, deflagrado por Prefeitura Municipal, objetivando a aquisição eventual e futura de pneus novos, protetor e câmaras de ar, para equiparem a frota de veículos e máquinas pesadas da Prefeitura, com participação exclusiva de Microempresas, Empresas de Pequeno Porte e Microempreendedor Individual.

                Na Sessão Plenária de 25.11.2021, o relator, conselheiro Wanderley Ávila, em seu voto, julgou parcialmente procedente a Denúncia, em razão de irregularidades apontadas no Edital, quais sejam: I) “exigência de certidão negativa de recuperação judicial” e II) “ausência de justificativa quanto à inviabilidade de utilizar-se o formato eletrônico do pregão.

                No que tange à exigência de certidão negativa de recuperação judicial, após analisar o inciso II, art. 31, da Lei 8.666/1993, o art. 47 e 52, II, da Lei 11.101/2005, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Agravo em Recurso Especial nº 309.867/ES), deste Tribunal de Contas (Denúncia 1058870), bem como a Consulta TC - 008/2015, do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo e os precedentes do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (3987.989.15-9 e 4033.989.15-3), o relator asseverou que o art. 31 da Lei nº 8.666/1993 não foi alterado para se amoldar à recuperação judicial, tampouco foi derrogado, devendo o agente público encarregado das licitações compatibilizar a aplicação da Lei nº 8.666/1993 com a Lei nº 11.101/2005, especificamente seu inciso II, do art. 52, não existindo no edital em exame previsão de análise do plano de recuperação homologado em juízo.

                Em relação à ausência de justificativa quanto à inviabilidade de utilização do formato eletrônico do pregão, o relator destacou que esta Colenda Corte de Contas vem entendendo pela preferência da utilização do pregão eletrônico em detrimento do pregão presencial, por se mostrar como a opção mais econômica na aquisição/contratação de bens e serviços, sobretudo em meio à pandemia da Covid-19, a exemplo do que foi decidido no julgamento da Denúncia nº 1101533, de relatoria do conselheiro Substituto Adonias Monteiro.

                Não obstante, o relator, por não ficar comprovado nos autos que tais irregularidades tenham ocasionado prejuízo ou restritividade ao certame, deixou de aplicar multa aos responsáveis, tendo expedido as seguintes recomendações ao atual prefeito e à atual pregoeira:

 

                1) excluam dos editais a exigência de certidão negativa de recuperação judicial, incluindo cláusula prevendo a apresentação pelas licitantes em recuperação judicial, de comprovação de que o plano de recuperação foi acolhido na esfera judicial, na forma do art. 58, da Lei nº 11.101, de 2005, devendo ser considerado na análise da documentação de habilitação, bem como os demais requisitos exigidos no edital, se for o caso, para comprovação da capacidade econômico-financeira da proponente;

                2) em respeito aos princípios da publicidade e transparência, caso existentes os decretos que regulamentam os institutos do pregão eletrônico e do sistema de registro de preços no âmbito do Município, que sejam procedidas às devidas publicações em locais de fácil acesso ao cidadão e aos órgãos de controle;

                3) em conformidade aos princípios da impessoalidade, eficiência, competitividade, economicidade e da transparência, promovam a realização de pregão eletrônico nas contratações de bens e serviços comuns, independentemente da fonte de recursos envolvida, salvo comprovada impossibilidade ou inviabilidade de utilização da forma eletrônica, devidamente justificada nos autos do processo licitatório.

 

                Por fim, a relatoria determinou que o atual gestor municipal, em futuros certames, atente-se a destinar a participação exclusiva a microempresas e empresa de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00, em observância ao disposto no art. 48, inciso I, da Lei Complementar nº 123/2006, alterada pela Lei Complementar nº 147/2014.

                Na oportunidade, o conselheiro Cláudio Couto Terrão pediu vista dos autos.

                Na sessão do dia 10.2.2022, o conselheiro Cláudio Couto Terrão, em seu voto-vista, acompanhou o relator pela procedência parcial da presente denúncia, mas divergiu quanto ao apontamento atinente à restrição do universo de licitantes às microempresas (MEs), empresas de pequeno porte (EPPs) e aos microempreendedores individuais (MEIs), sediados a uma distância máxima de 150km da sede da Prefeitura.

                O conselheiro vistor ressaltou que a possibilidade de se restringir a participação de licitantes sediados a uma distância considerável do município decorre das necessidades e características inerentes ao próprio objeto, com fulcro no art. 6º, IX, c/c o art. 3, § 1º, I, da Lei nº 8.666/1993. Trata-se, entretanto, de situação excepcional, uma vez que a Lei nº 8.666/1993 veda ao administrador o estabelecimento de preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, sob pena de restrição ao caráter competitivo da licitação.

                Isso posto, a imposição de excepcional restrição à participação de interessados em procedimentos licitatórios com base em critérios geográficos depende da demonstração concomitante da existência dos seguintes requisitos: as especificidades do objeto licitado, a pertinência técnica para o específico objeto licitado, o princípio da razoabilidade e a vantajosidade para a Administração, em consonância com os ditames da Lei nº 8.666/1993 e nos termos já fixados por este Tribunal nos autos da Consulta 887734.

                Em resumo, a possibilidade de realização de licitação exclusiva para empresas situadas a determinada distância do município, como ocorreu no caso em tela, não é decorrência do fato de as empresas participantes serem MEs e EPPs, com fulcro nas disposições da Lei Complementar nº 123/2006. Na verdade, tal possibilidade decorreria de características específicas do objeto pretendido que tornem pertinente e/ou relevante que ele seja prestado por licitantes daquela circunscrição geográfica.

                In casu, o conselheiro Cláudio Couto Terrão observou que dois foram os motivos apresentados para fundamentar a restrição geográfica imposta, quais sejam: (i) a entrega rápida e no preço de mercado e (ii) o fomento à economia regional.

                Entretanto, no caso concreto, o prazo para a efetiva entrega dos objetos contratados era de 7 dias, razão pela qual o conselheiro vistor considerou não haver qualquer elemento impeditivo ou potencialmente lesivo à economicidade para que empresas sediadas em distância superior à definida no edital pudessem fornecer o objeto licitado, não havendo demonstração de característica específica do objeto que legitime a imposição de cláusula de limitação geográfica em troca de algum ganho de economicidade ou eficiência.

                Nesse diapasão, destacou, ainda, que na Denúncia 1058765, de relatoria do conselheiro Gilberto Diniz, ficou claro que a limitação no universo de participantes deve ser motivada com base nas especificidades do objeto. Sendo assim, considerou irregular a restrição geográfica disposta no instrumento convocatório, mas, à luz do disposto no art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), entendeu que não houve erro grosseiro por parte dos responsáveis, não sendo cabível a aplicação de multa.

                Desse modo, em seu voto-vista, o conselheiro Cláudio Couto Terrão acolheu as recomendações propostas pelo relator, mas acrescentou recomendação à Administração municipal para que, em futuros certames, ao prever cláusula excepcional de restrição geográfica apresente justificativa que contemple as especificidades do objeto licitado, a pertinência técnica para o específico objeto licitado, o princípio da razoabilidade e a vantajosidade para a Administração, em consonância ao art. 3º, caput, e §1º, I, c/c o art. 6º, IX, todos da Lei nº 8.666/1993. Lei nº 8.666/1993

                Ao final, o voto-vista foi aprovado por maioria, vencido, em parte, o conselheiro relator Wanderley Ávila.

                (Processo 1101692 - Denúncia. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Prolator do voto vencedor Cons. Cláudio Couto Terrão. Segunda Câmara. Deliberado em 10.2.2022)

 

 

BOCO9819---WIN/INTER

REF_BEAP