A PREVISÃO EM LEI ESPECÍFICA DE CARGOS COMISSIONADOS, FUNÇÕES GRATIFICADAS E GRATIFICAÇÕES TEMPORÁRIAS DISPENSA, PARA AS NOMEAÇÕES, TANTO A ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO FINANCEIRO QUANTO O COTEJO ENTRE A VACÊNCIA DE CARGO EFETIVO E EVENTUAL DIMINUIÇÃO DE GASTOS COM PESSOAL DECORRENTE DA VACÂNCIA  - MEF39764 - BEAP

 

                Trata-se de consulta formulada por dirigente de autarquia estadual, por meio da qual a consulente indaga acerca da possibilidade legal de uma autarquia estadual realizar nomeações em cargos comissionados, funções gratificadas e gratificações temporárias mediante compensação do impacto financeiro com vacância de cargo de provimento efetivo. A dúvida foi fundamentada nos §§ 3º e 4º do artigo 169 da Constituição c/c os artigos 22 e 23 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), dispositivos que se referem ao controle de gastos com pessoal.

                Preliminarmente, por maioria de votos, a Consulta foi admitida, ficando vencido o conselheiro Gilberto Diniz.

                Inicialmente, o relator salientou que a dúvida se refere à possibilidade de a vacância de um cargo público reduzir a despesa com pessoal e se esta eventual redução serviria para compensar financeiramente a despesa decorrente da nomeação em cargos comissionados, funções gratificadas e gratificações temporárias, e assim justificá-la.

                O relator, valendo-se de estudo elaborado pela Unidade Técnica, destacou, em primeiro lugar, que: 1) a contratação de pessoal a qualquer título está prevista no art. 169, § 1º, I e II, CR; 2) as autarquias se submetem às regras da LRF (art. 1º, § 3º, I, “b”, LRF); 3) as autarquias estaduais devem observar, quanto ao controle de gastos com pessoal, os art. 19, II, e art. 20, II, “c” da LRF e o art. 3º da Instrução Normativa nº 01, de 18.04.01, desta Corte de Contas.

                Sendo assim, asseverou o relator que a nomeação para provimento de cargos em comissão e para a concessão de funções gratificadas e de gratificações temporárias pelo órgão ou entidade da administração direta ou indireta depende de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista (§ 1º, I e II, do art. 169 da Constituição). Além dessas exigências, deverão ser observadas as balizas da LRF quanto às despesas com pessoal, tendo em vista que as autarquias se submetem ao regime desta Lei (art. 1º, § 3º, I, “b”, LRF), assim como os cargos comissionados, as funções gratificadas e as gratificações temporárias estão abrangidos pelo conceito de despesa com pessoal previsto no art. 18 da LRF.

                No que concerne à vacância de cargo efetivo, o relator acompanhou o estudo técnico, que citou o art. 103 da Lei Estadual nº 869/1952, para elucidar que a vacância de cargo efetivo não acarreta, necessariamente, a diminuição da despesa com pessoal. No entanto, o relator destacou que mesmo que haja a redução dos gastos com pessoal em razão da vacância de cargo efetivo, o “impacto-financeiro” é condição exigida para a criação de cargos comissionados, funções gratificadas e gratificações temporárias e não para a nomeação nos cargos já existentes e orçamentariamente previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Explicou que, nos termos do art. 16 da LRF, os atos que criem ou aumentem despesas com pessoal devem ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois exercícios subsequentes da criação, sendo que a estimativa deve ser acompanhada das premissas e da metodologia de cálculo utilizadas, além da declaração do ordenador da despesa de que o gasto tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (art. 16, II e art. 21, I da LRF).

                Quanto ao impacto financeiro, o relator citou o entendimento consignado na Consulta nº 693503 (30.11.2005), segundo o qual a obrigatoriedade da demonstração do impacto financeiro-orçamentário almeja evitar que o orçamento anual fique comprometido com novas despesas diárias, criadas mais recentes; e na Consulta nº 885888 (29.5.2013) que, em síntese, estabelece que a LRF dispensa a demonstração da estimativa do impacto orçamentário-financeiro e das medidas de compensação somente em relação à revisão anual remuneratória prevista no inciso X do art. 37 da Constituição, a teor do disposto no § 6º do art. 17 da Lei Complementar nº 101/2000. Frisou, também, o prejulgamento fixado no bojo da Consulta nº 652796 (5.12.2001), versando sobre a assunção de novas despesas com pessoal, nos últimos meses de mandato, segundo o qual, “o provimento de um cargo não constitui despesa nova, por exemplo, se esse cargo já está criado em lei anterior, se essa despesa já está prevista no plano plurianual de investimentos, na Lei de Diretrizes Orçamentárias”, de modo que “toda e qualquer despesa que foi previamente prevista, nomeação para cargos vagos, cargos que já existiam, é absolutamente regular”.

                O relator, em suma, asseverou que são exigências para a nomeação em cargos comissionados e para a concessão de funções gratificadas e gratificações temporárias, já previstos em lei: 1) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes (art. 169, § 1º, I, da Constituição) e; 2) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 169, § 1º, II, da Constituição). Logo, se já previstos em lei específica os cargos comissionados, funções gratificadas e gratificações temporárias, não se exige para as nomeações estimativa de impacto orçamentário-financeiro, tornando despiciendo também o cotejo entre a vacância de cargo efetivo e eventual diminuição de gastos com pessoal decorrente da vacância.

                O relator, por fim, reiterou a necessária observância das normas próprias do ente federado que tratam do provimento de cargos públicos e da concessão de gratificações e funções, que, por sua vez, devem estar em consonância com o art. 37, inciso V da Constituição, que estabelece que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

                Em sede de retorno de vista, na sessão plenária do dia 16.2.2022, o conselheiro Cláudio Couto Terrão acompanhou o voto proferido pelo conselheiro relator e, na ocasião, o conselheiro Gilberto Diniz sugeriu acréscimo ao parecer, de modo que, ao final, o Tribunal Pleno, à unanimidade, fixou prejulgamento de tese, com caráter normativo, no sentido de que:

 

                a) as autarquias se submetem ao regime da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 1º, § 3º, I, “b”, LRF), assim como os cargos comissionados, as funções gratificadas e as gratificações temporárias estão abrangidos pelo conceito de despesa com pessoal previsto no art. 18 da Lei, devendo as despesas decorrentes deles serem computadas para fins de aferição dos limites previstos nos arts. 19 e 20 da LRF do poder executivo respectivo, observadas as ressalvas constantes no art. 22, parágrafo único, incisos I e IV da LRF;

                b) A mera vacância do cargo público não acarreta, necessariamente, a diminuição nos gastos com pessoal;

                c) Havendo previsão legal, não há que se falar em “compensação do impacto financeiro”, de modo que o provimento de cargos comissionados, assim como a concessão de funções gratificadas e gratificações temporárias, dependem:

 

                c.1) do respeito ao disposto no art. 37, inciso V, da Constituição da República, uma vez que os cargos em comissão e as funções de confiança devem ser destinadas apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

                c.2) da existência de dotação orçamentária suficiente para fazer frente a despesa e aos acréscimos dela decorrente (art. 169, § 1º, I, da Constituição), além de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 169, § 1º, II, da Constituição);

                c.3) da observância das regras previstas na Lei Complementar nº 101/2000, com relação às despesas com pessoal.

 

                d) Inviabilidade jurídica de se admitir, como medida compensatória de impacto financeiro decorrente do provimento de cargos em comissão, funções gratificadas e gratificações temporárias estratégicas, a comprovação de redução de despesas em decorrência de vacância de cargo de provimento efetivo.

 

                (Processo 1095516 - Consulta. Rel. Cons. Conselheiro Durval Ângelo. Sessão Plenária. Deliberado em 16.2.2022)

 

 

BOCO9824---WIN/INTER

REF_BEAP