LAUDO TÉCNICO DE CONSULTORIA - PESSOAL - REAJUSTE ANUAL DOS SALÁRIOS - BASE LEGAL - MEF39861 - BEAP

 

CONSULENTE: Câmara Municipal

CONSULTOR: Mário Lúcio dos Reis

 

                INTRÓITO

                O Ilustre Assessor Jurídico da Câmara Municipal, usando de seu direito a esta consultoria, na qualidade de assinante do BEAP, apresenta-nos cópia do projeto de lei nº 04, originado do Poder Executivo, que dispõe sobre o reajuste anual do salário dos servidores públicos do Município, acompanhado da devida projeção do impacto orçamentário-financeiro de que trata os artigos 16 e 17 da LC-101/2000. Acrescenta que o Executivo informa que está considerando na receita estimada o aumento de R$ 1.800.000,00 no VAF/ICMS, não prevista na Lei Orçamentária Anual de 20X2.

                Observa-se a proposta de reajuste de 14,13%, formada pelo INPC de 6,56% mais aumento real de 7,57% equivalente ao reajuste do salário mínimo a partir de janeiro/20X2.

                Isto posto, formula-nos os seguintes questionamentos:

 

                1- Qual o procedimento legal para que o aumento do VAF/ICMS passe a incorporar a LOA/20X2?

                2- O índice de 14,13%, equivalente ao aumento do salário mínimo pode ser aplicado como indexador sem ferir a Constituição Federal?

                3- Embora a mensagem de encaminhamento mencione que a lei dispõe sobre o reajuste salarial dos servidores do Executivo, o texto do projeto de lei menciona reajuste dos salários dos servidores do Município. Ainda assim a mesma lei pode ser adotada para os servidores do Poder Legislativo?

                4- Como agir no caso de entendermos ser inconstitucional a proposta?

 

                CONSIDERAÇÕES LEGAIS

                Constituição Federal:

 

                Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

                ........................................................................

                IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

                .......................................................................

                VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

                Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                .......................................................................

                X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Regulamento)

                Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

                § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                § 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

                I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

                Lei Complementar nº 101/2000 - LRF

 

                Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.

                § 1º Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal.

                Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

                ........................................................................

                III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

                Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

                ........................................................................

                III - na esfera municipal:

                a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

                b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.

                Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.

                   ....................................................................

                Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

                I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

 

                Lei nº 4.320/64

 

                Art. 30. A estimativa da receita terá por base as demonstrações a que se refere o artigo anterior à arrecadação dos três últimos exercícios, pelo menos bem como as circunstâncias de ordem conjuntural e outras, que possam afetar a produtividade de cada fonte de receita.

 

                CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS

                O artigo 7º, inciso IV da CF veda a vinculação de qualquer espécie ao salário mínimo, porém estendemos que no caso em tela tal não se caracteriza, apesar da coincidência do índice, o que somente ocorreria se fosse tornado obrigatório tal procedimento em caráter constante, nos anos vindouros, quando se interpretaria que o servidor seria remunerado em quantidades do salário mínimo.

                Já no inciso VII do mesmo dispositivo legal é determinada a garantia do salário mínimo para todo trabalhador, entendendo-se obrigatório o complemento para todos que, apesar do reajuste, permanecerem com remuneração inferior ao salário mínimo, recomendando-se completá-lo com abono provisório, a ser compensado com aumentos posteriores.

                Reestimativa da Receita do VAF/ICMS: o art. 30 da Lei nº 4.320/64 dispõe que a Lei Orçamentária Anual conterá estimativa de todas as receitas, mandamento este repetido na LRF, LC-101/2000, em seu art. 12, § 1º, de onde se depreende que a reestimativa da Receita só é admitida em casos de erro ou omissão devidamente comprovados, o que nos parece não se aplicar na hipótese em tela.

                Assim sendo, entendemos que em hipótese alguma se poderá considerar agora a estimativa de aumento da receita do ICMS/VAF, face ao princípio da legalidade, onde nenhuma receita pode ser considerada sem que esteja devidamente prevista na LOA. Caso este aumento se concretize no decorrer do ano, ele resultará em “excesso de arrecadação”, como previsto no art. 43, § 1º, inciso II da Lei nº 4.320/64, hipótese em que poderá ser utilizado como fonte de recurso para créditos adicionais suplementares, desde que autorizados por lei.

 

                Limites da Despesa com Pessoal: no art. 169 da CR, c.c. art. 19, 20 e 22 da LC-101/2000, vamos observar que os gastos com pessoal não poderão ultrapassar os limites de 60% da Receita Corrente Líquida, dividido em 54% para o Poder Executivo e 6% para o Legislativo.

                Ressalte-se no art. 22, parágrafo único da LC-101/00, que se estes limites forem alcançados, ou melhor dizendo, se os gastos com pessoal chegarem ao limite prudencial de 95% da RCL, a entidade pública ficará impedida de conceder qualquer aumento ou vantagens para o pessoal, além de se obrigar a reduzir 20% dos cargos comissionados e exonerar todos os servidores não estáveis, sob pena de ser-lhe vedado receber quaisquer verbas voluntárias do Governo, a exemplo de convênios, sem prejuízo das sanções penais e criminais contra a autoridade responsável, que no caso será o Prefeito Municipal.

                Entretanto, analisando-se o cálculo do impacto orçamentário-financeiro apresentado pelo Executivo, vemos que a despesa de pessoal fixada para 2012, de R$ 7,4 milhões, antes do reajuste, já representa 51,58% da RCL (R$ 14,4 milhões), indo para as alturas de 58,86% quando se aplica o reajuste de 7,29% (R$ 8,498 x 100/14,4 milhões).

 

                CONCLUSÃO E PARECER FINAL

                Diante das considerações técnicas e legais retroexpostas e à vista do teor da consulta, somos de parecer que o referido projeto de lei representa um temerário vaticínio para o Chefe do Poder Executivo, caso seja aprovado, dada a violenta agressão ao limite imposto pela LC-101/2000, cujo limite prudencial é de 51,3%, já ultrapassado no presente, com tendência de explodir em 58,86% quando aplicado o aumento previsto.

                Mesmo que se concretize a maior arrecadação de R$ 1,8 milhões no VAF/ICMS, o resultado não é alvissareiro, pois o gasto chegará a 52,33%, também superior ao limite prudencial de 51,3%.

 

                Assim sendo, passamos a responder aos questionamentos propostos:

 

                1- Ocorrendo o aumento da receita do VAF/ICMS, a mesma poderá ser arrecadada e contabilizada normalmente, sem ilegalidade, pois o excesso de arrecadação é permitido sem alterações na LOA, diferentemente da despesa, que não pode ultrapassar o valor fixado nas dotações. Todavia, este aumento da RCL não pode ser considerado no presente, por absoluta ausência de fundamento legal, uma vez impossível alterar-se a receita estimada na LOA/2012.

                2- O fato de o índice de reajuste coincidir com o aumento do salário mínimo não nos parece caracterizar a vinculação na forma vedada pela Carta Constitucional de 1988.

                3- Uma vez sancionada a lei, o seu texto passa a ser autônomo e definitivo, desvinculando-se da mensagem que o encaminhou, de forma que eventual falha ou divergência na mensagem não se reflete na validade da lei sancionada, podendo esta, portanto, ser adotada pelo Legislativo, o qual, entretanto, tem total autonomia para propor novo e diferente projeto para seus servidores, se assim entender.

                4- A conclusão final é realmente pela inconstitucionalidade do projeto na forma em que se encontra, pois representa um prenúncio de maus lençóis para o Executivo perante a Lei de Responsabilidade Fiscal, recomendando-se que seja renegociado com o Executivo, para, por exemplo, reajustar-se apenas no índice do IPCA, sem prejuízo de nova revisão, desde que fora de período eleitoral e que se tenha concretizado o excesso de arrecadação em valor suficiente para tal. A negociação com o Executivo, caso não ocorra para alteração do projeto, pode ser suprida pela inclusão de emenda pelo Legislativo.

                Este é o nosso parecer, s. m. j.

 

BOCO9830---WIN/INTER

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