RECOMENDAÇÃO
1, DE 09 JULHO DE 2025, SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO - MEF43379 - LT
Estabelece
Recomendação sobre o atendimento de situações de trabalho infantil junto a
povos e comunidades tradicionais.
O
COORDENADOR DA COMISSÃO NACIONAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL CONAETI,
no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 17 do Decreto nº
11.496, de 19 de abril de 2023, publicado no Diário Oficial da União em 20 de
abril de 2023, resolve:
Art. 1º
Homologar,
na forma do anexo, Recomendação sobre atendimento de situações de trabalho
infantil junto a povos e comunidades tradicionais, aprovada na 2ª Reunião
Ordinária do Colegiado, ocorrida em 20 de março de 2025.
Art. 2º
Esta
Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
ANEXO I
“ANEXO.-RECOMENDAÇÃO SOBRE O ATENDIMENTO DE SITUAÇÕES DE
TRABALHO INFANTIL JUNTO A POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
A
COMISSÃO NACIONAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - CONAETI, no uso das
atribuições legais estabelecidas no art. 10, inc. VI, do Decreto nº 11.496, de
19 de abril de 2023; e no art. 2º, inciso VI, e art. 10, inciso II, do
Regimento Interno da CONAETI, homologado por meio da Resolução SIT/MTE nº 2, de
20 de maio de 2024,
Considerando
que é "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão" (art. 227, caput, da Constituição
Federal/1988);
Considerando
que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido
na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais (art. 5º, Estatuto da Criança e do Adolescente);
Considerando
a proibição "de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição
de aprendiz, a partir de quatorze anos" (art. 7º, XXXIII, da CF/88);
Considerando
que é dever do Poder Público e da coletividade a defesa e a proteção da criança
e do(a) adolescente, sobretudo contra a exploração, inclusive trabalho
infantil, mediante "um conjunto articulado de ações governamentais e não
governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios" (art. 86 da Lei nº 8.069/1990);
Considerando
o disposto na Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como nas Convenções
nº 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
Considerando
que são consideradas entre as piores formas de trabalho infantil todas as
formas de escravidão; a exploração sexual; a utilização, o recrutamento e a
oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e
tráfico de entorpecentes; e qualquer outro trabalho suscetível de prejudicar a
saúde, a segurança e a moral da criança (art. 3º, Convenção nº 182 da OIT);
Considerando
que o Decreto nº 6.481/2008 regulamentou a Lista das Piores Formas de Trabalho
Infantil (Lista TIP), de acordo com o disposto nos arts.
3º, "d", e 4º da Convenção nº 182 da OIT;
Considerando
que o trabalho infantil é uma grave violação de direitos humanos e
fundamentais, que aprofunda o estado de vulnerabilidade social de crianças e
adolescentes, expondo-os(as) também a diversas situações de risco, com impactos
muitas vezes irreversíveis sobre o seu desenvolvimento físico, intelectual,
social, psicológico e moral;
Considerando
que os povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados
e que se se reconhecem como tais, além de terem formas próprias de organização
social;
Considerando
que a designação povos e comunidades tradicionais abrange povos indígenas,
quilombolas, de terreiro, ribeirinhos, entre outros, tratando-se de enumeração
meramente exemplificativa, devendo as singularidades de cada povo ou comunidade
ser reconhecida a partir de sua autoidentificação;
Considerando
que os povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados,
com formas próprias de organização social, que possuem na territorialidade um
fator de identificação, defesa e força, e ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição;
Considerando
que a Constituição Federal destaca o pluralismo político como fundamento da
República e não hierarquiza os modos de vida dos grupos sociais que compõem a
sociedade brasileira (art. 1º, V, Constituição Federal);
Considerando
que o diálogo intercultural pressupõe o respeito e o reconhecimento jurídico de
cosmovisões, práticas e identidades, sem essencialismos ou predefinições, por
terceiros ou pelo Estado, do projeto de vida a ser seguido por indivíduos ou
grupos;
Considerando
que a Constituição Federal estabelece um conjunto de medidas a serem observadas
para assegurar a igualdade e o respeito à pluralidade dos povos e comunidades
tradicionais (arts. 215, 216, 231 e 232, Constituição
Federal/1988, e art. 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias);
Considerando
que tais artigos devem ser entendidos como um sistema de proteção
constitucional dos povos e comunidades tradicionais, de modo a assegurar a
efetivação dos direitos fundamentais desses grupos e irradiar efeitos para todo
o ordenamento;
Considerando
que essa perspectiva está em consonância com a legislação internacional sobre a
matéria, notadamente a Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais,
internalizada por meio do Decreto nº 5.051/2004 e consolidada pelo Decreto nº
10.088/2019, e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais da UNESCO, internalizada pelo Decreto nº 6.177/2007;
Considerando
que a Convenção nº 169 da OIT estabelece que os povos indígenas e tribais têm o
direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não
sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema
jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos;
Considerando
que a Declaração Americana e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas preveem o direito à autodeterminação e o direito de buscar
livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural;
Considerando
o teor do Decreto nº 6.040/2007, que institui a política nacional de
desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais;
Considerando
que as crianças e os(as) adolescentes de povos e comunidades tradicionais são
destinatárias da legislação nacional e de tratados internacionais de direitos
humanos pertinentes à infância e à adolescência, assim como dos relativos aos
povos e comunidades tradicionais;
Considerando
o teor das Resoluções nº 181/2016 e 214/2018 do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CONANDA), que buscam estabelecer parâmetros de
interpretação dos direitos e adequação dos serviços relacionados ao atendimento
de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais e para a
melhoria da participação de crianças, adolescentes e demais representações de
povos e comunidades tradicionais no controle social dos direitos de crianças e
adolescentes;
Considerando
o teor das Resoluções nº 253/2024 e 254/2024 do Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõem, respectivamente, sobre os
parâmetros para aplicação da consulta livre, prévia e informada pelo Sistema de
Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) e sobre a adoção das
práticas dos povos e das comunidades tradicionais em complementação às medidas
de atendimento institucional de crianças e adolescentes dos povos e das
comunidades tradicionais.
Resolve
Recomendar
os seguintes parâmetros para o atendimento de situações de trabalho infantil
junto a povos e comunidades tradicionais no Brasil:
Artigo
1º Povos e comunidades tradicionais, para efeito da presente Recomendação, são
definidos conforme os preceitos contidos no art. 1º, 1, "a" e
"b" da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho -
OIT, promulgada pelo Decreto nº. 5.051, de 19 de abril de 2004, e consolidada
pelo Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019, no art. 3º, III, do Decreto
nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 e no art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de
novembro de 2003.
Artigo
2º O atendimento de situações de trabalho infantil junto a povos e comunidades
tradicionais deve ser orientado com base nas seguintes diretrizes:
I
- proteção integral de crianças e adolescentes,
especialmente contra o trabalho precoce, mediante a promoção e defesa dos seus
direitos fundamentais com prioridade absoluta;
II
- respeito à igualdade, à diversidade e à não
discriminação, com o reconhecimento de que crianças e adolescentes são iguais
em dignidade, sem distinção de qualquer natureza;
III
- cuidado à condição peculiar de crianças e adolescentes como pessoas em
desenvolvimento;
IV
- respeito à autoidentificação e à identidade de
pessoa ou grupo como representante de povo ou comunidade tradicional;
V
- reconhecimento e valorização da autonomia, das
concepções, das instituições, das culturas, dos costumes, dos valores, das
territorialidades, das línguas e das tradições dos diversos povos e comunidades
tradicionais; e
VI
- observância do direito à participação dos povos e
comunidades tradicionais e a consideração efetiva dos seus pontos de vista, com
o estabelecimento de permanente diálogo intercultural.
Artigo
3º A aplicação da legislação pertinente à infância e à adolescência no
atendimento de situações de trabalho infantil e na promoção e defesa dos
direitos de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais deverá
considerar as garantias jurídicas previstas na legislação específica dos povos
e comunidades tradicionais, dentre elas:
I
- consulta prévia, livre e informada aos povos e
comunidades interessadas nos casos específicos em que sejam previstas medidas
suscetíveis de afetá-los;
II
- participação de lideranças, organizações,
comunidades, famílias, crianças e adolescentes de povos e comunidades
tradicionais nos espaços de planejamento, nos processos de tomada de decisões e
na fiscalização dos serviços, respeitando a igualdade de gênero;
III
- atendimento preferencial por profissionais de comunidades e povos
tradicionais ou com conhecimento das tradições e costumes dos povos e
comunidades tradicionais;
IV
- disponibilização de informações sobre os serviços e
direitos de crianças e adolescentes em linguagem cultural acessível;
V
- formação permanente dos(as) profissionais do Sistema
de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) sobre as histórias,
culturas e direitos dos povos e comunidades tradicionais, assim como a forma de
aplicação intercultural dos direitos, de modo a assegurar a melhoria do
atendimento e o respeito à diversidade cultural; e
VI
- adoção de práticas dos povos e das comunidades
tradicionais em complementação às medidas de atendimento do SGDCA.
Artigo
4º As realidades, concepções e diversidades culturais dos povos e comunidades
tradicionais deverão ser consideradas quando da elaboração e aplicação de
planos de prevenção e erradicação do trabalho infantil e fluxos de
identificação e atendimento de situações de trabalho infantil.
Artigo
5º O planejamento e a execução das ações para identificação e atendimento de
crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil junto a povos e
comunidades tradicionais devem buscar, por meio de um diálogo intercultural e
da interpretação de direitos, uma harmonização entre as normas de proteção à
criança e ao adolescente e os direitos assegurados aos povos e comunidades
tradicionais, devendo ser observadas:
I
- as diretrizes para o atendimento de situações de
trabalho infantil junto a povos e comunidades tradicionais estabelecidas no
art. 1º;
II
- as garantias jurídicas previstas na legislação
específica dos povos e comunidades tradicionais exemplificadas no art. 2º;
III
- a articulação prévia com os órgãos e entidades locais de proteção e defesa de
crianças e adolescentes e de proteção e defesa de povos e comunidades
tradicionais, a exemplo do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério
Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos
dos Estados, das Defensorias Públicas da União e dos Estados, da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas, entre outros;
IV
- a construção de fluxos de atendimento de crianças e
adolescentes em situação de trabalho infantil que dialoguem com as instâncias
de povos e comunidades tradicionais;
V
- a informação aos povos e comunidades tradicionais,
em linguagem culturalmente acessível, acerca dos riscos e prejuízos do trabalho
infantil à saúde e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes;
VI
- a inclusão de crianças e adolescentes e suas
famílias em políticas públicas de assistência social, saúde, educação, lazer,
esporte e profissionalização, com adequação cultural dos serviços e respeito às
suas crenças, costumes e tradições, de forma a garantir a plena efetivação de
seus direitos;
VII
- a adoção de medidas específicas que contemplem as realidades e os direitos de
crianças e adolescentes pertencentes aos povos e comunidades tradicionais nos
planos setoriais e intersetoriais das três esferas de governo.
Parágrafo
único. Poderá ser solicitado laudo antropológico para auxiliar no
esclarecimento sobre a conduta praticada e sua correspondência com os costumes,
crenças, valores, tradições e formas de organização social dos povos e
comunidades tradicionais.
ROBERTO
PADILHA GUIMARÃES
MEF43379
REF_LT